Com informações da Agência Fapesp - 25/04/2011
Antipartícula de hélio
Em 1911, o cientista neozelandês Ernest Rutherford (1871-1937) utilizou núcleos de átomos de hélio-4 - as chamadas partículas alfa - para demonstrar que os átomos têm sua carga positiva concentrada em um pequeno núcleo.
A descoberta foi o pontapé inicial da física nuclear.
Exatos 100 anos depois da criação do modelo atômico de Rutherford, um grupo internacional de cientistas, com participação brasileira, descreve pela primeira vez a observação e medição de antipartículas de núcleos de hélio-4.
Trata-se da antimatéria mais pesada já produzida e medida em um laboratório.
A descoberta foi antecipada pelo Site Inovação Tecnológica em Março, quando os cientistas disponibilizaram seu estudo no repositório arXiv.
Agora a pesquisa foi aceita para publicação pela revista Nature.
Além da Tabela Periódica
Com a participação do mesmo grupo, o experimento já havia rendido, há um ano, a primeira evidência experimental de um anti-hipernúcleo: isto é, os cientistas haviam obtido um núcleo que não faz parte da tabela periódica. O estudo foi publicado em março de 2010 na revista Science.
No trabalho de 2010, as antipartículas foram submetidas à coalescência - um processo análogo à condensação -, agregando dois antinêutrons e um antipróton, formando um antitrítio - isto é, um núcleo de antimatéria correspondente ao do átomo de trítio -, o isótopo do hidrogênio que possui dois nêutrons e um próton.
No trabalho atual, os pesquisadores conseguiram produzir um anti-hélio, com dois antiprótons e dois antinêutrons.
"Observando pela primeira vez o anti-hélio - uma partícula alfa de antimatéria -, demos mais um passo em direção à construção de uma nova tabela periódica. Tratava-se de uma tarefa difícil, porque a possibilidade de haver coalescência decresce à medida que aumenta a complexidade do antinúcleo", disse Alexandre Suaide, do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP), um dos participantes brasileiros do estudo.
No experimento STAR, segundo o cientista, foram realizadas colisões de núcleos de átomos de ouro em velocidade próxima à da luz, em temperatura altíssima, criando uma densidade de energia semelhante à que existiu alguns microssegundos após o Big Bang. Tanto no laboratório como no início do Universo, as colisões resultam na formação de uma quantidade equivalente de matéria e antimatéria.
"Teoricamente, acreditamos que o Big Bang surgiu de uma grande concentração de energia em uma singularidade e, a partir de modelos, concluímos que esse processo deve ter produzido muita antimatéria. No entanto, quando olhamos o Universo quase não encontramos a antimatéria. O experimento poderá ajudar a entender o que aconteceu nesses instantes iniciais", disse Suaide.
Em busca da antimatéria
Para detectar as antipartículas, os cientistas utilizam detectores sofisticados - o maior deles tem 10 metros de largura por 15 metros de comprimento - que medem a trajetória das partículas e a partir delas tenta identificar o tipo de partícula observada.
O armazenamento e a análise da imensa quantidade de dados produzida, segundo Suaide, exigem o envolvimento de dezenas de instituições em todo o mundo e uma poderosa infraestrutura computacional.
"Produzimos no experimento um número de colisões de núcleos de ouro da ordem de 1 bilhão. Cada uma delas produz milhares de partículas diferentes. De todos esses trilhões de partículas, conseguimos encontrar 18 núcleos de anti-hélio. A dificuldade envolvida na tarefa explica por que as partículas antialfa jamais haviam sido observadas, embora a partícula alfa já tenha sido identificada há um século", disse.
De acordo com os autores, a detecção tem consequências importantes para a futura observação de antimatéria no Universo. Segundo eles, o estudo sobre as antipartículas é fundamental para o avanço do conhecimento em aspectos fundamentais da física nuclear, da astrofísica e da cosmologia.
A partir dos estudos sobre as antipartículas em laboratórios, segundo Suaide, os cientistas buscam as condições necessárias para a observação futura da antimatéria no cosmos.
"Esses estudos nos ajudam a saber o que se espera observar. Ao medir o anti-hélio 4, também contribuímos para que os cosmólogos façam previsões sobre como e onde procurar a antimatéria", explicou.
Brasileiros
O experimento, realizado pela Colaboração STAR - que reúne 584 cientistas de 54 instituições em 12 países diferentes -, foi produzido no Colisor Relativístico de Íons Pesados (RHIC, na sigla em inglês), localizado nos Estados Unidos.
Os coautores brasileiros são Alexandre Suaide, Alejandro Szanto Toledo e Marcelo Munhoz - todos eles professores do Departamento de Física Nuclear do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP) -, Jun Takahashi, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e seus orientandos de doutorado Rafael Derradi de Souza e Geraldo Vasconcelos.
Suaide conta que o grupo brasileiro faz parte do experimento Star há 15 anos e desempenhou um papel importante no desenvolvimento e construção dos detectores principais.
"Os pesquisadores do Brasil tiveram uma participação ativa no experimento, participando intensamente da coordenação dos subgrupos nos quais se dividem os trabalhos. Neste último trabalho, participamos diretamente da revisão do artigo", afirmou.